Prefácio: Esse é um post onde eu entrelaço dois vídeos diferentes. Eles não são diretamente relacionados, mas juntos, trazem um questionamento mais profundo. O primeiro vídeo é o discurso do presidente uruguaio José Pepe Mujica na Rio+20. Mas não se iluda, por mais que o tema seja sustentabilidade, ele fala sobre algo muito mais profundo. O segundo vídeo é sobre a distribuição da riqueza nos EUA. Um paralelo entre o que as pessoas acham que acontece, o que elas julgam ideal e o que de fato acontece. Você não depende de um para entender o outro, mas acredito que enriquecerá a forma como você entenderá as idéias aqui expressas.

Discurso do José Pepe Mujica na Rio+20

 

Distribuição de riqueza nos EUA

 

 

Esse vídeo fala sobre a distribuição da riqueza dos EUA. Mais do que isso, ele fala sobre a sociedade que estamos escolhendo viver. Mais do que isso, fala sobre não estarmos escolhendo a sociedade em que vivemos. “Go with the flow.”.

Me parece irônico que na era da informação, seja tão difícil enxergar quanta coisa tem de errado ao nosso redor. Penso que o motivo pelo qual somos incapazes de enxergar, não é pela falta de informação, mas por um esforço, de cada um de nós, em nos mantermos alienados.

A informação é fria. É sem vontade. Não provoca mudança. A parte mais difícil, não é dar acesso à toda a informação. A parte difícil é despertar o calor em nossos corações para buscar algo melhor para nós mesmos do que a realidade fácil que nos é entregue.

Fico triste me perguntando o que precisará acontecer antes que venhamos a mudar alguma coisa. Me pergunto se precisaremos de uma catástrofe para que essa mudança aconteça. Me pergunto se os dias alienados de hoje permitem uma revolução. Me pergunto ainda se essa mudança não acontecerá de forma suave, com cada um fazendo sua parte. Me pergunto ainda, que mudança seria essa.

Nós vivemos a miopia de um momento. Só enxergamos de perto, não temos a habilidade de entender que fase da história da humanidade estamos vivendo. Não temos, ainda, discernimento para enxergar quão alienados somos pelo momento que vivemos. As mudanças passadas que hoje nos parecem óbvias, mas não deviam ser claras na época em que aconteceram.

As mudanças, me parece, precisam de um inimigo comum. Algo que incendeie o coração das pessoas por algo melhor. Contra algo pior. Das revoluções que tive a oportunidade de conhecer, nenhum delas aconteceu com pessoas segurando um estatuto com 100 coisas que deveriam mudar. Era uma idéia. Era um grito. Liberdade. Paz. Igualdade. Impeachment.

O nosso ideal é meritocrático, é o merecimento. E a nossa miopia também. O problema da meritocracia, é que ela nos transforma em nossos próprios inimigos. A culpa é nossa. Perdemos o inimigo comum.  Se a meritocracia fosse verdadeira, isso não seria ruim, mas a ilusão de meritocracia que vivemos é um problema. Como o vídeo ilustra bem, fico me perguntando como alguém merece 380 vezes mais que outras pessoas. Se merece mesmo, então o que está errado é a métrica de merecimento. A pseudo-meritocracia que vivemos parece nos roubar a nossa melhor forma de mudança.

Nossa alienação não vem de censura. Não vem de violência. Não é decisão de uma pessoa nos altos postos do governo. Nossa alienação é uma escolha nossa na busca da felicidade. Mudar dá trabalho. Tira do conforto. Conciliar uma vida de 8 horas de trabalho diário, com a criação dos filhos, as contas extras para pagar, com uma luta madura (porque a falta de um inimigo comum requer um esforço maior) por mudança é complicado.

O acesso à informação vem também com a liberdade de escolher a informação que iremos consumir. Não me parece lógico que depois de um dia duro de rotina maçante, alguém vá escolher buscar assuntos densos e incômodos sobre o que há de errado na nossa sociedade. A lógica é que depois desse dia, a gente vá escolher assistir o “Porta dos Fundos”, a novela das 20h, a série da TV à cabo. É justo, essas informações nos ajudam a ser mais felizes. Mas o preço dessa felicidade, é sempre um pouquinho de alienação. Diante de vidas tão duras como as que levamos, me parece injusto pedir que usemos nossas 2 horas livres do dia para fazer uma revolução.

Sem uma bandeira comum, a mudança requer um esforço mais profundo. Requer o discernimento. Requer tempo estudando. É confuso. Não existe clareza do caminho que temos que tomar. “se não sabemos onde queremos chegar, não faz tanta diferença que caminhos tomamos”.

A falta de um inimigo comum traz ainda um pensamento: talvez, não tenhamos um inimigo, porque as coisas não estejam tão mal assim.

Se não existe busca coletiva, resta que decidamos, pelos menos, o que buscamos para nós mesmos. Coloquemos na balança o preço que a sociedade (as outras pessoas) paga pelas nossas escolhas. Sem um bem comum, não mudaremos o sistema agora, mas podemos mudar nossas relações interpessoais. Escolhamos o caminho que não ignore o outro. Vamos construir para as pessoas ao nosso redor, o mundo que gostaríamos de viver. Não vamos queimar pneus ou incendiar o plenário, mas não sejamos coniventes com o que não acreditamos. Não compactuemos com a corrupção, com a mentira, com a injustiça, com a alienação ao sofrimento que causamos. Escolhamos o caminho do bem para nós mesmos e vivamos esse mundo. Mesmo que no começo ele só exista para nós mesmos.

Cultive os seus valores. E os coloque acima do conforto de decisões levianas.